Duas luvas metálicas, colocadas sobre um plano monocromático verde com uma barra quadriculada no rodapé, remete-nos para sistemas arquivísticos de identificação, documentação, triagem e uso de artefactos.
Os objetos colocados para escrutínio visual apresentam possibilidades narrativas onde a repetição da tonalidade verde indicia um grau de visibilidade mínimo.
Sem ser possível evocar um tempo preciso e não evidenciando nenhum período histórico específico mas sim qualquer um (todos?) no qual, o trabalhador é sempre testemunha e suspeito, vemos representada uma hierarquia e hegemonia dos sistemas de identificação histórica.
Tal como em muitos outros campos de conhecimento, as condições de trabalho no campo da arqueologia foram subestimadas e mantidas fora de qualquer descrição, livro de campo ou diário, tendo todas as contribuições dos trabalhadores sido tomadas pelos arqueólogos. Há toda uma componente laboral agarrada à invisibilidade do trabalhador e às compensações (baksheesh) que eram pagas para contornar a exploração salarial e, que ao mesmo tempo, incentivavam os trabalhadores a recuperar e entregar os objetos intactos no final de um dia de trabalho.
Ironicamente, a prática do baksheesh parece ter acelerado o número de artefactos desaparecidos dos registos arqueológicos, reforçando o mercado paralelo de antiguidades e o mercado negro, tornando os roubos cada vez mais frequentes e lucrativos.
Nas costas daqueles que observam esta parede, está um armário com um conjunto de obras reluzentes dispostas no seu interior descritos como “quinze objetos disponíveis para roubo”.
O ato de roubar convoca a dupla condição das luvas do trabalhador que são em simultâneo utensílio e pagamento, ferramenta e objeto ou mercadoria de troca.
Roubar, aqui, é ativar o objeto, a exposição, e todos os seus visitantes reforçando o momento vivido (o agora) e oferece um novo olhar sobre o todo.
As luvas enquanto objecto artístico fundidas na parede da sala pela utilização da mesma cor, parecem congeladas no momento em que dançam à nossa frente. Como o carteirista, afastam-nos engenhosamente a atenção de forma a poder executar o roubo. Tal como no filme Pickpocket de Robert Bresson, existe um comentário socio-político inerente ao ato de roubar, mas também à nossa condição como aquele que vê. O nosso olhar, colocado engenhosamente e equiparando ver e roubar, está simultaneamente em perigo porque poderemos ser nós roubados, ludibriados por um gesticular de mãos.
O ato de roubar, está sempre implícito num determinado tipo de olhar interessado. “Vemos com anzóis” que saqueiam aquilo que queremos possuir. Vemos de forma interessada utilizando aquilo que observamos como instrumentos para organizar as nossas ideias como ato de retaliação e luta que permite novas e paralelas historiografias - enquanto ação contra o sistema social e económico vigente.