SPLEEN

Todos temos os nossos prazeres secretos. Quando acordei naquele dia com a chuva a bater na janela relembrei-me do quão prazeroso me era ouvir, só, aquela melodia muito simples e percutida. A quietude do momento despoletava algo profundo em mim. Algo, até, misterioso. Um evento ingénuo e que me fazia entrar numa dimensão muito específica, numa atmosfera de melancolia e nostalgia de uma densidade muito equilibrada e na qual não queria parar de navegar.

Olho a janela de longe e fico a assistir ao espetáculo. Nos vidros já baços quase parece que se veem nuvens. Ou melhor, que nos vemos a nós refletidos sobre nuvens – talvez sobre aquelas nuvens que Joni Mitchell canta lá ao fundo – com gotas a escorrer sobre nós de forma irregular. Perante este quadro vivo, tenho, não duas, mas múltiplas formas de olhar para esta tristeza reconfortante.

Perpetuo a dor calorosa até ao choque do toque frio no nariz. Aquele pingo que me faz aperceber do que teria de enfrentar – que teria de enfrentar o aguaceiro deste lado das portadas. Preparo-me como que para a guerra, com capas impermeáveis, pronto a resguardar-me de toda a água que me quisesse atingir. No meio da espiral surrealista, corro e tento também proteger o que me era mais caro, mas nem isso mantém o valor suficiente no meio da calamidade absurda. (Engraçado como nunca estamos preparados para um dilúvio, mesmo que vejamos que ele se avizinha.) Desisto e resigno-me à condenação de que nada me poderá proteger de ficar sentado em cima da minha cama, à chuva, rodeado por nuvens baças de condensação.

Decido sair. Decido aceitar a inevitabilidade da chuva e percebê-la, ainda que só, de peito aberto ao mundo! Quando ponho o pé na calçada, percebo que não chove. Olho para o céu limpo e para a minha janela e tenho a mesma visão que tive quando acordei – a minha janela embaciada, agora na parte de dentro, anunciando uma enorme precipitação no interior da minha casa. Penso no lado pragmático (claro!), em solucionar problemas nas fundações, no que vai ficar podre, no que já estava podre... e, perdido no bombardeamento de pensamentos, penso no lugar da chuva e dou por mim, mais uma vez, inundado de prazer - daquele prazer com que acordei ao ouvir aquela melodia simples e percutida. Fico parado do lado contrário, a ver e ouvir a chuva a bater na janela, cheio de uma tranquilidade triste e, só aí, reflito sobre o que sinto.

O que fazer quando somos uma caixa de Pandora com chuva e nuvens fechadas lá dentro? O que fazer quando há uma satisfação secreta em sermos uma caixa fechada, precisando que ser aberta? Quanto tempo se aguenta ela fechada? Reflito como um deleite advindo de cansaço, de melancolia, de tristeza me pôde fazer repensar, por um momento, uma vida e, curiosamente, voltar a ter esperança.

Aquela chuva levou-me para um lugar dentro de mim e isso levou-me para outro lugar... Talvez seja como disse Roberto Juarroz quando escreveu, “talvez tudo aponte para um centro. Mas todo o centro aponta para fora”.

 

Diogo Bach

Lisboa, 12 Fevereiro de 2022